• O termo 'conciliar' faz com que as mulheres acreditem que seja possível se massacrar em algum aspecto para fazer tudo dar certo.

    A jornalista Cinthia Dalpino era daquelas mulheres que colocava a carreira em primeiro lugar. Tinha um emprego incrível e, como chefe, ninguém menos do que a apresentadora Ana Maria Braga. No entanto, suas convicções sobre o trabalho sofreram um baque com a chegada da primeira filha, Eva. O conflito mãe x profissional não tardou a chegar e mexeu com as estruturas da jornalista, que decidiu deixar o trabalho para se dedicar integralmente à maternidade. Teve mais uma filha, Aurora, e novos questionamentos e inseguranças vieram. Como encontrar o equilíbrio entre a Cinthia mãe, a Cinthia profissional e a Cinthia mulher?

    Ciente de que muitas mulheres passam pela mesma situação, ela criou o Mãe At Work, projeto que dá voz às mães que se sentem sufocadas com esse conflito. Abaixo você confere o relato de Cinthia,  em resposta às perguntas da entrevista que blog da Infanti fez com ela.

    Nossa sociedade nos acostumou a colocar tudo ‘dentro de sua respectiva caixinha'. Trabalho é trabalho, vida pessoal é vida pessoal, criança é dentro da escola.  Por que é assim? Por que causa tanta estranheza se misturarmos as coisas? Criança não pode transitar no escritório? Por que um escritório tem que ser tão sério? Por que exigem versatilidade e criatividade dos funcionários, e não permitem que sejam eles mesmos? Acho que temos que jogar as perguntas para o meio corporativo entender que não somos robôs.

    O termo 'conciliar' faz com que as mulheres acreditem que seja possível se massacrar em algum aspecto para fazer tudo dar certo. É difícil conciliar porque tentamos viver numa esquizofrenia o tempo todo. Tentamos ser os profissionais ultra conectados e criativos na empresa, pais incríveis, sensíveis em casa e sofremos porque somos uma pessoa só. Temos que representar papéis em cada ambiente. Se pudéssemos ser nós mesmos no ambiente de trabalho, isso facilitaria as coisas. E quando digo 'ser nós mesmos', digo que a mulher, por exemplo, não precisa ter vergonha em dizer que precisa renegociar o horário porque quer levar ou buscar o filho na escola, que precisa levar no médico, que quer fazer home office em alguns dias da semana porque é inviável deixar um bebê tão pequeno por tanto tempo longe dela. Quando tentamos seguir esse padrão que fizeram com que acreditássemos ser o certo, é que nos machucamos.

    Uma mãe às vezes se sente obrigada a 'omitir' informações sobre sua vida pessoal, porque ela acredita que aquilo pode agir contra ela. Como se sair do trabalho para buscar criança na escola fosse fazer dela uma profissional ruim. Hoje, com a cultura da hora extra, é como se as pessoas fossem obrigadas a trabalhar além do horário para parecerem produtivas. Eu me sentia um ser estranho quando as pessoas me olhavam torto porque eu levava minha filha comigo ao trabalho. "Deixa ela na escola", diziam. Como se a presença da minha filha me desqualificasse como profissional. A sorte é que eu tinha a confiança da minha chefe (Ana Maria Braga), que conhecia o meu comprometimento e apostava em mim como profissional. Mas já imaginou se eu precisasse provar isso a ela também todos os dias? Hoje recebo relatos no Mãe At Work de mulheres que mentem para levar filho no pediatra, deixam crianças por duas horas esperando na escola até que possam sair de reuniões de trabalho, ou nem são contratadas quando contam que têm filhos. Fora as que são demitidas após a licença maternidade sem qualquer justificativa, um número assustador. É como se tivéssemos que fazer uma escolha. Como se as duas funções, de mãe e profissional, fossem incompatíveis. E não deveria ser. Deveria ser normal chegar no fim do expediente e dizer 'pessoal, deu por hoje, vou buscar meu bebê', sem que isso gerasse uma onda de olhares estranhos.

    Comecei a fazer uma pesquisa, e percebi que 90% das mulheres estavam no mesmo barco. As que trabalhavam estavam em conflito, porque terceirizavam o cuidado com a criança integralmente. As que estavam em casa também sentiam vontade de voltar ao trabalho, mas não viam oportunidades. Muitas acabavam empreendendo, abrindo pequenos negócios para ter o tal tempo ao lado dos filhos. Mas seria a solução? E quem não quer, não pode ou não sabe empreender? Se contenta com uma das duas opções? Ou fica em casa com os filhos ou trabalha em tempo integral sem vê-los crescerem?

    Quero chegar naquela mãe que está em crise e fazê-la entender que não está sozinha, e que existem outras mil maneiras dela sair desse enrosco. Dar espaço para que a mulher expresse e evidencie o que acontece nas empresas por aí - de bom e de ruim. E pretendo escrever livros, fazer seminários em empresas, vídeos, e-books, encontros com mães. O que, por enquanto é inviável, porque não é minha fonte de renda. Mas pretendo que um dia uma empresa motherfriendly apoie a causa e me ajude a viabilizar isso tudo.

    O Mãe At Work é para encontrar e apontar saídas. Existem inúmeros cases de sucesso de mães que conseguiram flexibilidade em seus ambientes de trabalho, trabalho remoto, berçários no escritório. Novas possibilidades estão sendo criadas, mas porque as mulheres estão reivindicando isso dentro de suas empresas. A iniciativa acaba partindo da mãe, mas pode ser bem acolhida se a empresa quer reter aquele talento. Algumas empresas estão buscando 'humanizar' ambientes de trabalho e temos casos fantásticos de relatos que provam que dá certo. Que é inclusive uma economia para a própria empresa. Muitas mães acabam se iludindo com a possibilidade de empreender, mas nunca tiveram experiência com isso. Empreender não é tão simples quanto parece. Às vezes se você tem o seu negócio e não é bem estruturado, você tem até menos tempo com o seu filho.

    Cinthia Dalpino, jornalista.

    A Infanti incentiva mães e pais a compartilharem suas histórias. As opiniões publicadas neste texto são pessoais e não necessariamente representam a visão da Infanti.