• Os desafios e aventuras de um pai solteiro ao passar 10 dias de férias com sua filha de 3 anos.

    “E agora, 10 dias de férias com a minha pequenina (de 3 anos e 3 meses), será que vou dar conta? Será que ela vai gostar dos programas que vamos fazer? O que vamos fazer? Como? Quando?”

    Estas foram algumas das perguntas que não queriam calar e que me assolaram durante várias noites antes das primeiras férias que ia passar com a minha filhota. Até aqui, o máximo período seguido que tínhamos passado foram os 4 dias no Carnaval e os finais de semana alternados a que temos direito.

    Contextualizando, sou pai solteiro (divorciado) de uma maravilhosa menina de 3 anos e 3 meses. “Isso há muitos” dirão os leitores, sim, há… mas o que não há muitos é pais, estrangeiros, divorciados há menos de 1 ano e que mudaram toda a sua vida para a sua filha poder ter um pai presente, e essa é a minha situação. A par de uma separação dolorosa e muito difícil, praticamente recomecei a minha vida do zero. Despedi-me da empresa para a qual trabalhava há 13 anos (pois isso implicaria viver longe do Rio de Janeiro), vendi o meu carro, aluguei a minha casa (no meu país de origem), “despedi-me” da minha família de origem e fiz o caminho inverso ao que tantos brasileiros estão fazendo nos últimos tempos.

    Como devem imaginar, ter de recomeçar do zero em quase todas as áreas da minha vida não era um cenário de moleza e, de fato, a realidade iria mostrar que não seria nada fácil. Mas pouco a pouco, com a ajuda de uma série de “anjos” que me rodearam, fui ajeitando as coisas, construindo, resolvendo e moldando um futuro que se quer melhor…mas o que verdadeiramente me preocupava mais era: “Como a minha filha se adaptará a tudo isto, como ela verá tudo isto, como ela reagirá?”

    Desde a escolha das cortinas do quartinho dela à cor dos armários e que personagens teriam os seus lençóis, as frutas e comidinhas a ter em casa, o shampoo mais indicado, se tinha os remédios todos que poderiam vir a ser necessários, tudo me preocupava. Será que deveria copiar o que ela tinha na casa da mãe? Será que deveria inovar e me diferenciar?

    Não querendo entrar na descrição desta fase (poderá ficar para outra oportunidade) o que posso desde já assegurar é que a chave está em nós mesmos, no amor que transmitimos aos nossos filhos e nos exemplos que lhes damos…na segurança que passamos para eles!

    Voltando ao primeiro substancial período de férias que passaríamos juntos: depois de um período de vários meses em que a minha filha só estava comigo aos sábados das 10:00 às 17:00, passámos para um regime de pernoite de todas as 4ª feiras e fins de semana alternados, com feriados e parte das férias. Os fins de semana eram ótimos, aqueles 4 ou 5 dias no Carnaval correram muito bem, mas como ela iria reagir a passar 10 dias seguidos? E se ela sentisse muito a falta da mãe e chamasse por ela, o que se faria? Aliás, o que eu faria? A resposta a tudo isto (e muito mais) é simples: com Amor! Um amor incondicional! E sendo sempre nós mesmos, atuando com caráter e responsabilidade.

    Crianças nesta faixa etária valorizam muito o conceito da previsibilidade, pois lhes transmite segurança, logo, a comunicação seria também muito importante, explicar e fazer entender as coisas também. Camuflar ou esconder, seja o que for, não é uma opção.

    Assim, tratei sempre de lhe explicar muito bem o que eram as férias, que eram um período em que não havia escola, e que ela passaria alguns dias das mesmas com o Papai e depois uns dias com a Mamãe. Se alguém pensa que uma criança de 3 anos e tal não entende isto ou um papo destes…desengane-se, entende sim e ainda bem, converse com os seus filhos, independentemente da idade deles, eles valorizarão muito isso (e você também)!

    Depois de buscá-la na escola, na primeira noite de férias, lembro que sentamos os dois na sala e fizemos um plano dos passeios e atividades que queríamos fazer: Jardim Botânico, Praia, Teatrinho Infantil, Cinema dos Incríveis, Parquinhos, Passeios a pé pelo Bairro, pintar com Aquarelas no Play, ir ao Jardim Zoológico, ao Aquário, andar de charrete puxada por cavalinhos e ver palácios. Estavam lá essas e muitas mais e afixámos a nossa “Wish List”  na geladeira! Não eram só coisas e programas externos ou fantásticos, mas também coisas corriqueiras / cotidianas que feitas em conjunto seriam o máximo (e foram) tais como: ir às compras ao mercado, comprar pilhas para aquele brinquedo especial, cozinharmos juntos uns ovos mexidos com “peitinho” de peru, fazermos uma festa do queijo e azeite lá em casa, andar de Metrô, brincar de sala de aula na nossa sala ensinado a bonecada a escrever o seu nome, tratar de uma planta nova para a nossa casa, piqueniques na varanda. Sabia também que não deveria nem poderia cansar a minha princesinha, pois isso deixá-la-ia mais suscetível a ficar doente, logo decidi que faríamos tudo na calma, sem pressas e sem querer fazer tudo no 1º dia. Assim, além dos programas fantásticos que fizemos juntos (e umas vezes só nós 2 e outras com coleguinhas/amiguinhos também de férias e outras com alguns Familiares e Amigos fantásticos que temos a sorte de ter na nossa vida) adquirimos e valorizámos também as nossas rotinas, o que julgo ser um fator extremamente importante, rotinas, até nas férias.

    Acordar, tomar o leitinho / café da manhã enquanto víamos desenhos na TV (quando dava a Patrulha Canina era uma festarola!), escovar o dente, regar as plantas da casa, dar bom dia ao “nosso morro” que se vê da varanda, tomar banho, arrumar a lancheira e a nossa mochila, vestir a roupinha da saída e sair para as nossas passeatas e programas, fizemos sempre as coisas juntos e essa participação dela em tudo foi maravilhoso e transmitiu sempre confiança e motivação a ambos! Por vezes almoçávamos em casa e decidíamos ou “fazíamos” o almoço juntos!

    Raramente fizemos 2 programas externos no mesmo dia, sendo que voltávamos a casa ao fim da tarde / início da noite e tínhamos sempre também a nossa rotina de jantar, acalmar e deitar depois de uma negociação de quantos desenhos ela veria na sala a partir do nosso sofá para ir para o seu quarto, tomar o leitinho da noite, eu ler uma estória e ela adormecer sempre com sua mãozinha dada com a minha, prometia-lhe que estaria ali com ela até ela adormecer e que só depois sairia dali para ela dormir com sonhos muito bons. Só nas primeiras duas noites acordou com um pesadelo ou outro (julgo que fruto de alguns desenhos animados que sempre envolvem monstros e personagens malvados e que, estrategicamente, aboli de ver lá em nossa casa).

    Nesse primeiro par de noites, eu dei saltos olímpicos da minha cama para ir ao quarto dela, pegá-la um pouquinho ao colo, assegurar-lhe que estava tudo bem e que ela estava segura e que podia voltar a dormir descansada. Adormecia no meu ombro e, segura, voltava a deitá-la e ia até de manha.

    Nas restantes noites, a sua tranquilidade e segurança já era tal que dormiu as noites todas seguida e acordava só de manha e me chamava do seu quarto “Papai, está na hora de acordar!”, e quando eu chegava perto dela e lhe dava um abraço de bom dia ela dizia-me “ Papai, hoje não chorei né?” como quem tinha conseguido ultrapassar uma barreira, um desafio e estava orgulhosa de si própria e queria ver-me também orgulhoso de tal! E eu dizia-lhe “claro, coisa boa do pai, hoje dormiste muito bem e estás pronta para mais um maravilhoso dia, vamos ver se está um lindo dia?” e ela corria para a varanda e dava os bons dias à planta da varanda, ao “nosso” morro que de lá se vê, organizava os seus “amigos que não falam” (pelúcias e bonecada) no sofá para ver os seus desenhos matinais e pedia-me: “Papai, faz o meu leitinho por favor?”

    A minha filha pôde falar com a Mãe com regularidade e, mesmo quando eu não pude atender o telefone logo, ligava de volta para ela falar à Mãe e sentir que também isso estava sempre ao seu alcance, julgo que isso foi também uma peça importante na tranquilidade que ela teve sempre.

    Poderia estar aqui a descrever cada um dos programas que fizemos, tirámos mil fotos que faremos álbuns em conjunto, todas as particularidades e vezes que me espantei com a minha maravilhosa filha, ela surpreende-me diariamente, constantemente, mas o mais importante foi o que sentimos juntos! E isso foi uma segurança enorme, uma parceria e elo inquebrável e uma alegria imensa nas mais pequenas coisas que fizemos e passámos juntos! Tudo condimentado com muito amor, claro.

    No penúltimo dia, comecei a trabalhar o seu regresso e a falar que no dia seguinte eu a levaria a casa da Mãe e que ela ainda ia ter muitos dias de ferias também com a Mamãe e que ia ser igualmente ótimo e divertido! Ela compreendeu tudo com uma naturalidade e tranquilidade imensa. Estava em casa e, amanhã, iria também para casa! Li isso claramente nos seus olhos e fiquei em paz por perceber tal sensação que emanava da minha filha.

    Ela nessa noite disse-me “Papai, as nossas férias foram muito legais né?” e eu sorri longos segundos com o coração e respondi “Foram né?” e um pouco para não desabar a chorar de felicidade à frente dela, acrescentei imediatamente: “…E o que gostaste mais? Da comidinha do Papai né? O quê que o Papai faz melhor?” E ela respondeu-me rindo e passando a mãozinha à volta da sua barriguinha “Gelatina!!! Hummmmm” , uau…dei conta, passei com distinção, correu tudo tão bem, ela adorou, eu adorei, sem constrangimentos ou dramas próprios ou de terceiros, foram dias únicos e maravilhosos mesmo!

    No último dia, um pouco antes de chegar o táxi que nos levaria a casa da Mãe, eu disse-lhe que íamos agora para casa da Mãe e relembrei que ia estar de ferias com a Mãe que também ia ser muito legal, e depois começaria a escola e depois o Papai iria buscá-la como sempre… reconheço que fiz um esforço enorme para não demonstrar tristeza, pois depois de ter estado 10 dias seguidos com ela, iria sentir demais a sua falta, mas mantive-me sorridente e sem expressar nada disto verbal ou mesmo em termos de postura corporal acho eu, mas a sensibilidade dos nossos filhos é tão grande que ela agarrou na minha mão, olhou candidamente nos meus olhos e com uma sensibilidade extrema acompanhada de ternura incomensurável me disse: “Papai, amanhã eu volto”… e foi ela, que naquele momento, me deu a segurança e transmitiu a confiança que eu precisava para me sentir em paz e tranquilo para o “amanhã”. A receita que eu tinha usado com tanto sucesso era replicada pela minha querida filha de 3 anos e pouco para me ajudar agora a mim. E demos um abraço intenso que acabou em sorrisos e brincadeiras e lá fomos para o táxi que já nos esperava…depois das melhores férias das nossas vidas!

    Sou grato, sou grato por estes dias, pelos outros que passo com ela e pelos que virão, e virão muitos mais minha querida filha, “amanhã” é já ali!

     

    Autor: Ricardo Salada Caldeira.